Beethoven - Moonlight Sonata

quinta-feira, 31 de março de 2011

Longínquo Prelúdio

    Eram mais ou menos 5 horas de uma tarde maravilhosamente nublada (talvez por isso mesmo me permiti sair do meu quarto mofado e cheio de livros empoeirados). Odeio dias ensolarados. Sempre me remetem a confraternizações superficiais impostas do ponto de vista convencional.
    Confesso que não saí por vontade ou curiosidade de contemplar a tarde, é claro! Mil vezes definhar no meu submundo sozinho a vaguear por reflexões insanas, a ter que por alguma convenção social - que por uma razão ou outra garanta a sustentabilidade de uma sociedade civilizada - sorrir ou mostrar-me simpático a qualquer pessoa, seja ela um transeunte de aparência amigável, um vizinho (à propósito, seria um sonho realizado se todos eles desaparecessem), um colega de trabalho, ou até mesmo um ente querido.
   Saí por questões puramente triviais, afinal, como qualquer pessoa sou um escravo das necessidades práticas, e preciso ir ao supermercado de vez em quando (sou viciado em produtos de limpeza e higiene pessoal) e comer de vez em quando, embora isso seja cada vez menos freqüente. Acho que por causa da medicação cada vez mais forte que de certa forma estou mais dependente, ou até mesmo pela simples misantropia que está cada vez mais evidente, e começo a ter dificuldades em disfarçá-la.
   Tive uma educação cristã protestante fundamentalista imposta, principalmente pelo meu pai, um pastor extremista, um leviano vaidoso, mais preocupado com a imagem e a repercurssão de sua pessoa do que com o próprio trabalho de evangelização que tanto prega (Que Deus me perdôe se faço um mal julgamento, mas é a impressão que sempre tive). 
    Infelizmente, algumas das idéias que foram em mim impregnadas desde a infância deixaram marcas que temo não ser capaz de superar e por isso mesmo me pergunto por que levo adiante esta "empreitada perigosa" de expor pensamentos tão íntimos que podem parecer, para alguns, contraditórios ao que me apresento e ao que por mim foi absorvido dos ensinamentos cristãos.
  Sempre fui dado à banalidades, sempre tentando impressionar, ser um garoto popular (isso como conseqüência do medo de ser apontado como o "estranho"), sempre sendo o mais compreensivo, solidário, o amigo. No entanto, o que isso significa no fundo?
    Estou tão cansado... quero fugir e não consigo... desejaria tanto chegar à minha família e a todos aqueles que me "admiram", que me amam, ou que pelo menos tenham algum respeito por mim e entregar-lhes toda a minha vida, embrulhada como um presente, e enfim render-me: isso sou eu, foi tudo que eu consegui. Tal como Mrs. Dalloway de V. Wolf.
  Afinal de contas, segundo sua própria reflexão, "...Importava, encaminhando-se para Bond Street. Importava que ela devesse inevitavelmente cessar totalmente? Tudo ali continuaria sem ela. Ela se ressentia disso, ou não seria talvez um consolo acreditar que a morte terminaria tudo absolutamente? É possível morrer, sim... é realmente possível morrer!"
    Às vezes penso como uma forma de um aterrorizante e ao mesmo tempo auspicioso prelúdio. Por que não? Isso sempre me fascinou obscessivamente.  
    No entanto, mais uma vez sou tomado por questões éticas, religiosas ou simplesmente instintivas. Sou no fundo, covardemente tentado a enfrentar tudo que mais amo e abomino.

    Ao ciclo da vida e a tudo o que ele representa, dedico toda a minha admiração e todo o meu repúdio.

   
   

    

4 comentários:

  1. Curti demais prezado Saulo André,vc "rasgando" de maneira poética, e gramaticalmente correta, tudo q mtos de nós não temos coragem de dizer pra essa sociedade patética.
    Não uso chapéu mas hj tiro meu chapéu pra ti!
    =)

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  2. Vlw, Cleise! Vindo de vc o elogio, torna-se uma honra de grau maior pra mim. Um forte abraço "amiga de longa data e quase virtual" kkkkkkk.

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  3. Compartilho com você totalmente esse sentimento! A velha obrigatoriedade politicamente correta que muitas vezes nos impede de sermos nós mesmos. O grande "barato" é mostra-se e apresentar-se como pede a sociedade, dar ao "mercado" o que ele quer!

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  4. "Quanto mais conheço os homens, mais estimo os animais"
    (Alexandre Herculano)

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